segunda-feira, 26 de maio de 2014

Bloco central à vista

As eleições europeias que ontem se realizaram, não trouxeram grandes novidades ou surpresas, pelo menos para mim.

Vamos aos números, porque quando se fala em eleições, os números são como o algodão, não enganam, ainda que permitam e deixem margem para todas e mais algumas análises, dando até para todos ou quase todos cantarem vitoria.

Comecemos pela abstenção. Elevada como se previa. Os cadernos eleitorais em Portugal estão carregados de eleitores fantasma que tardam em sair do sistema. Esses eleitores fantasma, contribuem significativamente para que em qualquer acto eleitoral, exista sempre uma abstenção acima da média. Considerando que nos últimos dois anos, saíram em média do país, cerca de dez mil portugueses todos os meses, aliado ao pouco interesse que estas eleições geram no eleitorado, conjugado com os tais fantasmas que nunca votam, a abstenção, apesar de elevada, está dentro do normal para eleições europeias, não deixando naturalmente de ser muito preocupante, tão elevado número de abstencionistas.

Agora vamos aos vencedores e vencidos. O PS venceu as eleições. Teve uma vitória clara, mas não teve uma grande vitória. O primeiro erro de António José Seguro, no discurso da noite, está precisamente em querer transformar uma vitória clara, numa grande vitória. Não se pode adjectivar o contrário do que todo o país viu. O PS venceu, mas não convenceu.

A Aliança Portugal teve uma pesada derrota, dado que os dois Partidos, nas últimas eleições europeias, ultrapassaram os 40% e agora desceram para 27%. Como o PS não esmagou, Passos Coelho, pode sentir-se aliviado, mas Portas, deve sentir-se pressionado.

A habilidade política do líder do CDS não conseguiu disfarçar o que todos vimos, muito menos apagar a dúvida que agora emergiu com toda a força. Se fossem separados, que resultado teria o CDS? Julgo que um regresso ao tempo em que os deputados do Partido cabiam todos num táxi, está cada vez mais perto.

Passos já percebeu que nas próximas legislativas tem que partir para a corrida sozinho, porque se vai coligado, fica imediatamente amarrado a uma coligação que certamente perderá as eleições. Concorrendo sozinho, o PSD poderá também perder as eleições. Contudo, do cenário pós eleitoral, não havendo maiorias absolutas, não restará nenhuma alternativa que não seja a reedição de um bloco central. Seguro e Passos, são faces da mesma moeda. Estão condenados a entender-se. A sobrevivência política de um está nas mãos do outro. Se quiserem, o seguro político de Passos é Seguro e vice-versa. Mas, não desprezemos Portas, nem a sua inteligência política.

Uma última nota para a dupla Rangel e Melo, os derrotados da noite. Passaram a campanha a bater em Sócrates e a falar no despesismo socialista, mesmo quando acompanhados de Luís Filipe Meneses, que por essa ordem de ideias, podemos classificar como o despesista social-democrata de Gaia. Espero que tenham aprendido com a lição. Rangel, um homem inteligente, muito bem preparado e familiarizado com os assuntos europeus, não se devia ter deixado enredar na conversa de Nuno Melo, o trauliteiro de serviço, na Coligação.

O PCP, cresceu, é um facto. Teve mais votos e mais mandatos do que na última eleição europeia. É um eleitorado muito fiel e quando existem níveis de abstenção tão elevados, isso acaba por fazer a diferença. Jerónimo encheu o peito e toca a apresentar uma moção de censura ao Governo. Típico do PC. Foi sempre assim e sempre será, no discurso, na estratégia e na táctica. Nada de novo.

O Bloco, teve uma hecatombe. Os votos foram transferidos para o Livre de Rui Tavares (que não vai passar disto), outros regressaram ao PC e ao PS. Vamos ver se o Bloco tem capacidade para se aguentar, ou se passa definitivamente de moda.

Por fim, Marinho e Pinto, para muitos, uma surpresa, pelos dois deputados eleitos. Marinho e Pinto teve um resultado histórico e pode classificar-se como o grande vencedor da noite. Contudo, não é a primeira vez que estes fenómenos fora do sistema se verificam.

Com um discurso onde cabem algumas causas e sound bites que agradam ao eleitorado a par do seu mediatismo e popularidade, era certo que Marinho e Pinto iria ser eleito. Os dois deputados, são reflexo da concentração de votos de eleitores descontentes e descrentes com o sistema e com os partidos tradicionais.

Uma última palavra para o Presidente da República. É verdade que tem lançado apelos ao consenso. Mas são apelos pouco convincentes, se tivermos em conta que ainda recentemente, a propósito da saída da troika, teve uma vez mais um comportamento inaceitável e errático, para um chefe de Estado. Cavaco poderá ser no entanto, o padrinho do bloco central, entre Seguro e Passos. Se assim for, se houver esta nova coligação governamental, fruto de um cenário político, sem maiorias absolutas, após eleições legislativas, presumindo que PSD e CDS não conseguirão formar Governo, ganha especial interesse a futura eleição presidencial, porque será o próximo inquilino de Belém que terá a tarefa de zelar pela estabilidade governativa do país, ou seja, fazer as pontes entre as divergências naturais que existirão no tal bloco central que se poderá vir a constituir.

Dito isto, resta o seguinte. Marinho e Pinto, vai para Estrasburgo, mas pode pensar em Belém. Portas vai ter que fazer pela vida. Seguro e Passos também. Quanto maior for a distância entre ambos, melhor para o vencedor das eleições, que será Primeiro Ministro. Passos tem uma vantagem. Pode coligar-se com Portas ou com Seguro, em caso de vitória ou derrota. A declaração ao Expresso, não foi inocente. Seguro, não vai coligar-se com o PC, um partido que não se revê na construção europeia e reclama a saída do euro. Se não descolar para uma maioria absoluta, resta-lhe uma coligação com Passos. Se não houver maioria absoluta de um só partido ou de PSD com CDS, só resta a Passos Coelho e António José Seguro uma reedição do bloco central. É uma questão de sobrevivência política de ambos.

Que pelo menos essa coligação, caso venha a acontecer sirva para, reformar o sistema político e o sistema de justiça.