sábado, 29 de junho de 2013

Os ses da política

Como em tudo na vida, existe sempre um custo de oportunidade, quando optamos por uma via em detrimento de outra. Paralelamente a este custo de oportunidade, há também uma série de condicionantes que influenciam o curso e o sentido das coisas. São os “ses” muitas vezes responsáveis e outras não pelos acontecimentos da vida.

Se a Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, sobre a limitação dos mandatos autárquicos, não tivesse sido elaborada e redigida a troxe-mouxe, não estaria hoje na agenda pública, se (mais um se) Fernando Seara e Luís Filipe Menezes, podem ou não candidatar-se às Presciências dos Municípios de Lisboa e do Porto, para referir apenas estes dois casos, naturalmente os mais mediáticos.
Se os Partidos Políticos tivessem optado por não recandidatar nenhum Autarca com três mandatos realizados, ninguém ainda tinha dado conta se o Presidente é de Câmara ou da Câmara. Parece ridícula esta discussão, própria de um país, onde tudo parece estar legislado, mas que nem por isso previne a existência de situações verdadeiramente anedóticas.

Um problema de natureza política transformou-se num problema jurídico. Pior a emenda que o soneto, porque a nossa justiça, além de lenta e controversa na decisão, não deveria ser chamada a decidir aquilo que aparentemente deveria ser resolvido nos fóruns políticos. Os ses da política, as jogadas de bastidores e demais condicionantes, abriram portas à teia judicial, que provavelmente, dará jeito a muitos.

Não sou por regra favorável à limitação do exercício de qualquer cargo político, derivado de sufrágio directo, livre e universal. A democracia funciona e não precisa de ser limitada nem condicionada. Contudo, o bom senso e a razão, nem sempre dominam o animal político, raramente capaz de perceber que a vida e as instituições não acabam no momento de partida.
São raros os políticos que por sua livre e espontânea vontade têm capacidade para sair pelo próprio pé, cedendo o lugar a outros cidadãos, contribuindo assim para a renovação das próprias instituições. São também raros, aqueles que mostram efectivamente algum desapego pelo poder depois de o terem exercido. Por isso mesmo, as instituições, políticas ou associativas estão repletas dos chamados “dinossauros” que se vão perpetuando nos cargos, absorvendo os piores tiques e vícios que o poder potencia, mesmo aos mais virtuosos, sem que na maior parte das vezes o homem consiga ter consciência de que assim é.
 
Por tudo isto e mais alguma coisa, os Deputados da Assembleia da República, decidiram fazer uma Lei que limita o exercício do cargo de Presidente de ou da (conforme o entendimento) Autarquia, para alem de três mandatos consecutivos, tentando dessa forma acabar com os tais dinossauros, tão conhecidos da Praça. Para além do imbróglio jurídico que deriva da trapalhada com a redacção errada do diploma, esta problemática deve colocar desde logo duas questões prévias: porque pode um Vice-Presidente de Câmara ou um Vereador a tempo inteiro ou um Secretário ou um Tesoureiro de uma Junta de Freguesia perpetuar-se ilimitadamente no cargo, e o Presidente desse órgão autárquico se vê impedido de o fazer? Dito de outra forma, porque limita a Lei o exercício do cargo para além de três mandatos apenas aos Presidentes dos órgãos autárquicos?
 
Outra questão que deve colocar-se é o facto desta Lei apenas se aplicar ao exercício dos mandatos autárquicos e não a todos os cargos políticos, incluindo o cargo de Deputado na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas Regionais, Presidentes dos Governos Regionais e outros cargos políticos, derivados de sufrágio directo e universal, como acontece com a eleição do Presidente da República.
 
A democracia funcionaria sem reservas se os Partidos políticos, enquanto pilares-base do sistema democrático, conseguissem internamente promover a renovação dos seus quadros, optando por estruturas organizativas menos rígidas e mais flexíveis, reflectindo-se essa forma de estar na interacção estabelecida com a sociedade.
 
Necessariamente que os partidos políticos, também tem evoluído. Contudo, o crescente afastamento entre eleitos e eleitores, a par da crescente reivindicação dos cidadãos por outras formas de participação política para além da via partidária, reflecte a falência do modelo que predomina na gestão e organização das estruturas partidárias, aparentemente ensimesmadas e pouco abertas à sociedade. Na verdade, pelo menos nos Partidos do arco governamental, também existe esta questão da limitação de mandatos quanto ao exercício de cargos executivos dentro do próprio Partido. Aparentemente, essa limitação interna, deveria ser suficiente para que não existisse qualquer limitação ao funcionamento da democracia e das suas instituições.
 
Independentemente da evolução que os Partidos políticos conheceram nestes 39 anos de democracia, continua em aberto, a promoção de um novo paradigma, na relação entre eleitos e eleitores e isso só se faz com a participação de todos na construção de um modelo que melhore o funcionamento da democracia e das suas instituições, inclusive, os Partidos políticos. Se isso se promove limitando o exercício de cargos políticos, então que essa limitação não se fique pelas autarquias e dentro destas única e exclusivamente pelos seus Presidentes. Uma verdadeira reforma do sistema político, onde se inclui a revisão das leis eleitorais autárquica e legislativa nacional e regional, poderá impulsionar melhorias profundas no funcionamento democrático das instituições e evitar situações anedóticas como esta que agora promete dominar a agenda pública até às próximas eleições autárquicas.