Causas e coisas
blog de Eugénio Borges
quinta-feira, 27 de março de 2025
sábado, 1 de março de 2025
Os Engenheiros do Caos
Bons e felizes tempos aqueles em
que os escândalos na sala oval da Casa Branca eram outros. Ontem, o mundo
assistiu, incrédulo, ou não, a um verdadeiro vexame, vil e covarde provocado
por dois homens de quem o seu povo se devia envergonhar infinitamente. Ter o
desplante de perguntar ao presidente ucraniano porque não tinha vestido um fato
para o encontro, diz bem sobre o tipo de gente que governa os Estados Unidos.
Nunca os EUA estiveram tão distantes dos princípios democráticos como hoje.
Lincoln, Roosevelt, Regan e tantos outros Presidentes dos EUA devem estar a
sentir-se mal na eternidade.
A meio da
semana fomos presentados com um suposto vídeo elaborado pelo algoritmo da
inteligência artificial (quantas saudades da inteligência natural) onde vemos a
nova Gaza, a Riviera de Gaza, com o inenarrável Musk jorrando notas atrás de
notas e dançarinas seminuas, qual mil uma noite das arábias. Aparecem também o
próprio Trump que não se coibiu de partilhar o vídeo e Benjamin Netanyahu, numa
bela piscina. Absolutamente indecoroso, e ignóbil, perante um povo, uma região,
uma guerra sangrenta, independentemente do lado da razão, que tanta morte,
destruição e dor provocou.
Para compor o
ramalhete da anormalidade dos tempos que vivemos, apareceu um tal de Milei, na
Argentina, a classificar as pessoas com alguma espécie de incapacidade
intelectual, como "idiotas", "imbecis" e "deficientes
mentais".
Se ainda não
se aperceberam, se não conhecem a história, os sinais estão todos aí. Antes do despontar do Nazismo, também se viu, noutra amplitude, o que agora assistimos. E
nós por cá também temos muitos, muitos moralistas, muitos lobos com pele de
cordeiro, muitos bem-falantes, com o discurso do “isto está tudo mal”, “são
todos iguais”, “é tudo corrupto”, misturando a estrada da beira com a beira da
estrada, porque o que importa é lançar confusão, fake news, calúnias e
desinformação. São os engenheiros do caos.
Andamos todos
distraídos nas nossas vidas, cada vez nos abstemos mais de tomar partido, de
nos manifestarmos e isso é o que eles querem, os engenheiros do caos.
Convido-vos,
meus amigos, a lerem este livro de Giuliano da Empoli, um ensaísta italiano,
que aborda a ascensão dos populismos na Europa e no mundo, mostrando como há
uma linha ideológica comum a todos e que está a inverter as regras do jogo
democrático, com consequências que se revelarão desastrosas para a humanidade.
Resta-nos
agir. Vou-me repetir, uma vez mais, "mesmo na noite mais triste, em tempos
de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não".
quinta-feira, 23 de janeiro de 2025
crónica do tempo que passa
Nasci num dia frio de inverno,
pelas 07.00 horas da manhã de um domingo, no dia 20 de janeiro, numa pacata
vila transmontana, há 51 anos. O tempo era outro, o mundo também era outro, a
vida, as pessoas, tudo era diferente de hoje. Na verdade, nos dias atuais, o
amanhã já é diferente do agora, porque tudo acontece vertiginosamente mais
rápido. Claro está que também nos desinteressamos muito mais rápido das coisas
e todos estamos sem paciência. A tolerância também já não é bem o que era. Mas
de facto, o relógio é o mesmo, conta as mesmas horas, os mesmos minutos e
segundos de há 51 anos. A forma é a mesma, ainda não conseguiram alterar isso,
mesmo que tudo aconteça mais rápido.
A evolução trouxe-nos a
patamares invejáveis. As gerações anteriores, a dos nossos pais, avós e
bisavós, são a geração de ferro, porque passaram muita privação. Invernos mais
frios e rigorosos, guerras, falta de cuidados de saúde, acesso à literacia, na verdade,
falta de quase tudo, se observarmos as coisas a partir do momento em que nos
encontramos.
Seja como for, agora temos
tudo, temos também mais letrados, nunca houve tanta informação e acesso a ela,
saúde, educação, habitação e até segurança, apesar das guerras noutros pontos
do globo. Mas o vazio que os algoritmos provocam, esses, não irão perdoar. Tudo
é descartável, tudo. As pessoas também. Por isso, há menos tolerância de uns
para com outros, menos solidariedade, menos coração, menos tudo. Vive-se cada
vez mais de aparência, não de essência. Sinceramente, entristece-me muito não
ter poder para contornar a lógica dos algoritmos que os grandes do dinheiro nos
estão a impor. Detesto fascistas, estados ditatoriais e opressores. Detesto ver
gente a apoderar-se do poder através da legitimação democrática do voto, mas à
custa da manipulação das massas, seja com os algoritmos usados de forma perversa,
seja com a desinformação que prolifera, com as difamações, falsidades, etc. Que
tristeza tão grande, para os que se bateram e morreram para termos um mundo, um
país livre de amarras e opressão.
Fui educado em liberdade, pelos
meus pais que foram educados em ditadura. Tenho muita dúvida se não devo preparar
os meus para viverem o futuro num regime que os pode vir a oprimir por se
manifestarem livremente ou simplesmente por não serem aquilo que querem que
sejam.
Isto são só desabafos, de
quem também tentou fazer alguma coisa, ainda que pequena, para que certos
valores se mantivessem sempre de pé. E assim continuarei a lutar, porque como
diz a canção, mesmo na noite mais triste, em tempos de servidão, há sempre
alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Ladainha dos Póstumos Natais
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
sexta-feira, 5 de janeiro de 2024
sábado, 7 de outubro de 2023
Está calor
Está calor, na cidade e na montanha. Dizem não ser normal, mas, melhor dizendo, o que era normal outrora é agora anormal para os que viveram outros outonos. Para os que vão viver os próximos invernos, o que é agora anormal para uns será normal para eles. São assim os tempos e o tempo.
O sol anda baixo, no campo e na cidade. É preciso colocar um chapéu.
domingo, 17 de setembro de 2023
quarta-feira, 13 de setembro de 2023
Auto-retrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
Natália Correia