Nasci num dia frio de inverno,
pelas 07.00 horas da manhã de um domingo, no dia 20 de janeiro, numa pacata
vila transmontana, há 51 anos. O tempo era outro, o mundo também era outro, a
vida, as pessoas, tudo era diferente de hoje. Na verdade, nos dias atuais, o
amanhã já é diferente do agora, porque tudo acontece vertiginosamente mais
rápido. Claro está que também nos desinteressamos muito mais rápido das coisas
e todos estamos sem paciência. A tolerância também já não é bem o que era. Mas
de facto, o relógio é o mesmo, conta as mesmas horas, os mesmos minutos e
segundos de há 51 anos. A forma é a mesma, ainda não conseguiram alterar isso,
mesmo que tudo aconteça mais rápido.
A evolução trouxe-nos a
patamares invejáveis. As gerações anteriores, a dos nossos pais, avós e
bisavós, são a geração de ferro, porque passaram muita privação. Invernos mais
frios e rigorosos, guerras, falta de cuidados de saúde, acesso à literacia, na verdade,
falta de quase tudo, se observarmos as coisas a partir do momento em que nos
encontramos.
Seja como for, agora temos
tudo, temos também mais letrados, nunca houve tanta informação e acesso a ela,
saúde, educação, habitação e até segurança, apesar das guerras noutros pontos
do globo. Mas o vazio que os algoritmos provocam, esses, não irão perdoar. Tudo
é descartável, tudo. As pessoas também. Por isso, há menos tolerância de uns
para com outros, menos solidariedade, menos coração, menos tudo. Vive-se cada
vez mais de aparência, não de essência. Sinceramente, entristece-me muito não
ter poder para contornar a lógica dos algoritmos que os grandes do dinheiro nos
estão a impor. Detesto fascistas, estados ditatoriais e opressores. Detesto ver
gente a apoderar-se do poder através da legitimação democrática do voto, mas à
custa da manipulação das massas, seja com os algoritmos usados de forma perversa,
seja com a desinformação que prolifera, com as difamações, falsidades, etc. Que
tristeza tão grande, para os que se bateram e morreram para termos um mundo, um
país livre de amarras e opressão.
Fui educado em liberdade, pelos
meus pais que foram educados em ditadura. Tenho muita dúvida se não devo preparar
os meus para viverem o futuro num regime que os pode vir a oprimir por se
manifestarem livremente ou simplesmente por não serem aquilo que querem que
sejam.
Isto são só desabafos, de
quem também tentou fazer alguma coisa, ainda que pequena, para que certos
valores se mantivessem sempre de pé. E assim continuarei a lutar, porque como
diz a canção, mesmo na noite mais triste, em tempos de servidão, há sempre
alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.