De repente, o país parece ter acordado para uma realidade,
patente entre nós, há tempo mais que suficiente para se evitarem danos maiores.
A forte ondulação que se fez sentir um pouco por toda a costa
Portuguesa no último mês, agravou a erosão costeira, colocando a nu o que há
muito se adivinhava. Mais cedo ou mais tarde, o mar vinha buscar aquilo que o
homem lhe tem roubado aos poucos.
Durante anos, cometeram-se os mais variados erros, no que
concerne ao ordenamento do território e gestão da faixa atlântica. Verdade que
em termos de ordenamento do território, os primeiros instrumentos de
planeamento e gestão territorial, apenas apareceram em meados da década de
oitenta. Mesmo assim, não foram suficientemente fortes para travar e/ou impedir
o uso e abuso da costa nacional. Pelo contrário, foi na década de oitenta, que
o Algarve se começou a descaracterizar, massificando-se com cimento e mais
cimento em cima das praias. Também a orla costeira a norte, no centro e a sul
do Tejo sofreu alterações paisagísticas consideráveis, cujas consequências
estão à vista. As barracas ilegais construídas ainda antes do 25 de Abril e na
década de setenta, deram lugar às torres e prédios altos com vista para o mar,
às vivendas e condomínios privados que cresceram exponencialmente, com ou sem
licença, na mesma medida em que já tinham crescido as ditas barracas, que não
são as casas piscatórias.
A articulação entre os instrumentos de gestão territorial de
nível municipal, regional e nacional, nem sempre foi pacífica. Resistências,
burocracias diversas e interesses instalados dificultaram bastante a harmonia e
coexistência necessária na gestão do território entre a Administração Central,
Regional e Local. Contudo, a Lei de bases do ordenamento do território e o
regime jurídico de gestão dos instrumentos de gestão territorial, publicados no
final dos anos noventa, deram passos significativos, no âmbito de uma
articulação mais eficiente entre as várias entidades responsáveis pela gestão e
ordenamento do território nacional. Por outro lado, começaram a ser “vertidas” para
a ordem jurídica interna, as directivas comunitárias, que permitiram a aplicação
de critérios, regras e procedimentos, dificilmente introduzidos no direito
nacional por iniciativa própria.
Esta moeda tem outra face. A desertificação do interior. Portugal
vive hoje em perfeito desequilíbrio. De um lado, uma imensidão territorial,
repleta de recursos naturais, história, cultura e potencial de crescimento,
plenamente desertificada e economicamente comprometida. Do outro lado, uma
linha entre Viana do Castelo e a península de Setúbal, completamente
massificada e socialmente em risco. A área metropolitana de Lisboa não se
resume à sumptuosidade da linha de Cascais nem ao glamour da Avenida da Liberdade. Os guetos da periferia urbana,
onde reside parte significativa da população, carente económica e socialmente,
são um problema eminente.
Segundo um estudo publicado em 2005, denominado, “Alterações
Climáticas em Portugal, Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação”, 67% do
território continental está em risco de erosão costeira. Também um estudo patrocinado
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, recentemente apresentado, conclui
que daqui por 20 anos, o interior deverá ter menos um terço da população actual.
O mar precisa de espaço para se encontrar com a terra. O
mesmo espaço que o homem precisa para dele desfrutar. Portugal precisa de
reestruturar o desenvolvimento do seu território. Criar condições para que o
interior se volte a humanizar. São necessárias políticas activas, a nível
fiscal e económico, capazes de alavancarem o potencial de crescimento existente
no interior. Se possível, deslocando ou dando condições mais vantajosas do que
as existentes a grandes empresas que possam criar as suas infraestruturas no
vasto território existente nas beiras e em Trás-os-Montes.
Desmantelaram-se as linhas férreas. Um erro irresponsável,
que ainda hoje pagamos caro. Anos mais tarde, vieram as auto-estradas, mas o
transporte de matérias-primas, materiais e mercadorias, sempre privilegiou a
linha férrea, cuja ligação aos portos navais e a interligação com as linhas
europeias deveria nos dias de hoje estar assegurada. Certamente que a
desertificação humana de parte do território nacional não teria atingido
proporções tão elevadas, se na altura dos primeiro e segundo quadro
comunitário, fossemos governados por gente com visão. É que em política, uma
decisão tomada hoje, tem impacto amanhã.
Viver-se-á melhor ou pior no litoral, consoante se viva bem
ou mal no interior. É uma questão de equilíbrio. Nem tanto ao mar, nem tanto à
terra.