Nunca vi um país onde se idolatrasse tanto o canudo como em Portugal. É uma verdadeira obsessão, esta coisa de ter um dr., um eng., ou um arq., antes do nome. Afinal, parece que o nome da pessoa nada vale sem estes títulos, quando deveria ser precisamente o contrário.
O nome da pessoa, honesta, trabalhadora, honrada, valores supostamente bem mais importantes do que qualquer título académico e que nenhuma faculdade concede é que deveriam ser o seu melhor cartão-de-visita.
Durante os tempos da ditadura o ensino superior apenas estava acessível aos filhos dos ricos, uma pequena minoria. Com a democracia o acesso à Universidade generalizou-se e passou a estar acessível a todos ou quase todos. A vontade dos país em dar melhor vida aos filhos do que a que eles tiveram passou exactamente por lhes proporcionar a possibilidade de ingressarem no ensino superior e de tirarem um curso.
Esta ideia legítima e compreensível não foi contudo devidamente regulada pela Estado. O ensino generalizou-se, mas também se banalizou. Proliferaram Universidades, Institutos Politécnicos, públicos e privados, cursos superiores cuja componente académica e científica deixam muito a desejar e sobretudo sem qualquer aplicação à vida prática.
Como o país bajula canudos, toda a gente quis ser doutor ou engenheiro. Abandonaram-se os cursos comerciais e profissionais, o ensino médio de vertente mais técnica, que o Estado deixou de incentivar e apoiar, tendo apostado no ensino superior que cresceu desregradamente.
Temos doutores para tudo e mais alguma coisa. O mais preocupante é o facto de as pessoas ingressarem na Universidade não para alargar conhecimentos e saberes, mas sobretudo para obterem um título. Não importa o que se vai aprender nem o que se vai fazer com o que se aprende. O que importa é ter o canudo e dizer que se é doutor, nem que isso seja um bom passaporte para o desemprego.
Muitos dos cursos superiores deveriam ser cursos técnicos de nível médio, um prolongamento do ensino secundário, onde se aprendessem conhecimentos específicos, essencialmente técnicos em determinadas áreas. Uma formação académica superior, tem que ter necessariamente uma componente científica muito alargada quanto ao nível de estudos.
O Estado é o verdadeiro culpado por não ter regulado convenientemente o sector. Por um lado matou o ensino medio, de vertente técnica. Por outro, deixou proliferar o ensino privado sem regra, especialmente o nível de licenciaturas que não servem para coisa nenhuma e cuja componente académica e cientifica simplesmente não existe.
Não se compreende contudo como é que determinadas licenciaturas tiveram frequência. Apenas a obsessão de querer um canudo à força o pode explicar. Hoje, se quisermos um bom electricista, talvez seja difícil arranja-lo. Mas se quisermos um licenciado em hotelaria, não teremos dificuldade em arranjar.
A polémica licenciatura do Ministro Relvas é um exemplo do que acabei de dizer. Relvas foi à Universidade não para alargar e aprofundar conhecimentos e saberes mas simplesmente para obter um canudo, um papel. De facto, é inacreditável como se creditam 32 de 36 cadeiras e se concede uma licenciatura nestes termos. Relvas não precisava de qualquer título nem tinha que se sentir mal por ser o único não doutor na mesa do Conselho de Ministros. Um político, um verdadeiro político, não precisa de canudos. Já tem atributos suficientes que o distinguem do resto do comum dos mortais. Infelizmente, esta espécie de políticos está em vias de extinção. Churchill não tinha canudo. John Major também não. Não me consta que Mário Soares, Sá Carneiro ou Álvaro Cunhal, tenham precisado do canudo para fazer política. Mas também não me consta, que fossem pessoas desonestas intelectualmente e ardilosas como é o caso de alguns políticos que actualmente estão em foco.
O país pede a cabeça do Ministro Relvas. O país popular e algumas elites que não perderam a oportunidade para soltar o seu ódio de estimação e acertar outras contas com o Ministro. Já estamos habituados a estes julgamentos em praça pública. Pede-se a cabeça do Ministro por esta questão da licenciatura. Ninguém pediu a cabeça do Ministro por ter mentido em pleno Parlamento no caso dos serviços secretos, acto bem mais condenável do que toda esta polémica.
O país idolatra canudos, por isso está tão atrasado e imbecilizado.