Regressei a um pequeno livro de bolso (Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, de J.J. Rousseau), procurando algumas respostas para o tempo que vivemos e sobre a forma como nos comportamos.
Este pequeno excerto poder-nos-á ajudar
a meditar um pouco, nem que não seja, sobre a frivolidade consumista em que
muitas vezes embarcamos ou na vertigem que nos transporta para um comportamento
promotor do desequilíbrio humano em que vivemos.
«Comparai, sem preconceitos, o estado do
homem civilizado com o do homem selvagem, e investigai, se o puderdes, como
além da sua maldade, das suas necessidades e das suas misérias, o primeiro
abriu novas portas à miséria e à morte. Se considerardes os sofrimentos do
espírito que nos consomem, as paixões violentas que nos esgotam e nos desolam,
os trabalhos excessivos de que os pobres estão sobrecarregados, a moleza ainda
mais perigosa à qual os ricos se abandonam, uns morrendo de necessidades e
outros de excessos; se pensardes nas monstruosas misturas de alimentos, na sua
perniciosa condimentação, nos alimentos corrompidos, nas drogas falsificadas,
nas velhacarias dos que as vendem, nos erros daqueles que as administram, no
veneno do vasilhame no qual são preparadas; se prestardes atenção nas moléstias
epidémicas oriundas da falta de ar entre multidões de seres humanos reunidos,
nas que ocasionam a nossa maneira delicada do viver, as passagens alternadas
das nossas casas para o ar livre, o uso de roupas vestidas ou despidas sem
precauções, e todos os cuidados que a nossa sensualidade excessiva transformou
em hábitos necessários, e cuja negligência ou privação nos custa imediatamente
a vida ou a saúde; se puserdes em linha de conta os incêndios e os tremores de
terra que, consumindo ou derrubando cidades inteiras, fazem morrer os
habitantes aos milhares; em uma palavra, se reunirdes os perigos que todas
essas causas acumulam continuamente sobre as nossas cabeças, sentireis como a
natureza nos faz pagar caro o desprezo que temos dado às suas lições.»
Jean-Jacques Rousseau, in «Discurso
Sobre a Origem da Desigualdade»