O sentimento de medo ainda predomina na nossa cultura. Foram muitos anos a viver num regime opressivo, onde Salazar sabia muito bem como passar a mensagem. Com o pretexto de nos livrar da Guerra, disseminava a tese do medo aliada ao sentimento de que "do mal, o menos".
Com o povo alimentado a Fátima, futebol e fado, mas livre dos bombardeamentos de Dresden, "um copo de vinho dá de beber a um milhão de portugueses" dizia-se em meados do século passado, os fantasmas do medo viviam na sombra de cada português.
O país empobreceu, viveu no obscurantismo, na miséria. No medo de existir, como retrata José Gil. E é esse medo, que ainda hoje vai persistindo, fomentado pelos tacanhos que gostam que o povo se acomode, impedindo a libertação da mentalidade reinante e com isso o desenvolvimento sócio-cultural do país.
Figura também entre nós, outro grande problema. A falta de ética e de princípios, dos que servem a Res publica. Dai que, o vale tudo e o quanto pior melhor, pairem indelevelmente no discurso de alguns responsáveis políticos.
Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa, no comentário semanal, tocou na ferida. Comentando as recentes sondagens, abordou a questão da Grécia, como factor preponderante no avanço da coligação governamental em Portugal e da convicção generalizada de que a austeridade, mesmo a excessiva, é um mal menor, porque o povo tem medo que nos aconteça o que está a acontecer aos Gregos. Para a coligação, um não acordo entre os Gregos e a União Europeia é bom em termos eleitorais, deu a entender o professor, entendendo-se que nos partidos da coligação há quem assim pense.
Que o povo, esmifrado até ao tutano pela austeridade desmedida que lhe impuseram esteja assustado e prefira "do mal, o menos", ainda se entende. Que a coligação de direita, seja beneficiada com um não acordo entre a Grécia e a Europa e que alguns dirigentes e governantes pareçam fazer" figas" para que tal aconteça, não se pode entender, nem aceitar. São os adeptos do "quanto pior, melhor".
Hoje, como ontem, é preciso desempoeirar certas mentalidades. Entre o pensamento de Salazar e aquilo que hoje alguns dos nossos governantes pensam, não vai assim tanta distância.