terça-feira, 30 de setembro de 2014

Estado porta-a-porta!

Foi finalmente aprovada em Conselho de Ministros de 31 de Julho, a estratégia do Governo para a reorganização dos Serviços de atendimento da Administração Pública (AP) que será operacionalizada através de um programa denominado “Aproximar”.

Numa primeira fase, o programa irá arrancar em 4 regiões piloto, sendo uma delas a comunidade intermunicipal do Alto Tâmega, apresentando os seguintes objectivos: I) Aproximar a Administração dos cidadãos; II) melhorar a qualidade e eficácia dos Serviços; III) racionalizar a utilização dos recursos públicos.

Centremo-nos, na racionalização da utilização dos recursos públicos, o verdadeiro e concreto objectivo deste programa, considerando que os outros, servem apenas para “compor o ramalhete”, uma vez que, legislatura após legislatura, não há programa, reforma, reestruturação ou aquilo que lhe queiram chamar, que não contenha tais premissas.

Durante a presença da Troika em Portugal convivemos diariamente com uma espécie de fantasma, que, ora assumia o formato de uma tesoura, cortando a torto e a direito, ora assumia o formato de uma chave encerrando tudo aquilo que lhe parecesse inútil.

O Governo deu vida ao fantasma, umas vezes seguindo a linha de orientação imposta pela Troika, outras, indo além dessas orientações.

Foi assim que se fez uma reorganização territorial e administrativa das freguesias, sendo o primordial objectivo de tal reorganização não propriamente a aproximação da Administração aos cidadãos ou a melhoria da qualidade e eficácia dos serviços, mas sim a diminuição das freguesias, como se fossem estas as grandes responsáveis pelo galopar da dívida pública e restantes males de que padecem as finanças do Estado. Vemos hoje que se perdeu uma excelente oportunidade para reorganizar o mapa autárquico, de forma nivelada, com a delimitação de atribuições e competências entre poder central, regional e local, mas sobretudo entre Municípios e freguesias, permitindo uma gestão pública local mais eficiente e próxima do cidadão. O importante foi acabar com 1000 freguesias, quase que por decreto, dado que os Municípios eliminaram apenas aquilo que a Lei impôs, sem qualquer ponderação se o que estavam a fazer fazia ou não sentido, porque simplesmente não foram envolvidos nem motivados para tal tarefa, com excepção do Município de Lisboa, que por sua própria iniciativa, conseguiu reorganizar o seu mapa de freguesias, sem precisar de qualquer orientação ou imposição da Troika para o fazer. Eis a diferença entre uma medida que no essencial, tem a mesma génese, mas que na sua implementação alcança objectivos completamente diferentes. Lisboa reequilibrou os níveis de poder local, permitindo mais eficiência na gestão das atribuições e competências adstritas a cada autarquia, melhorando o serviço público local. No resto do país, cortou-se, sem critério, porque o importante foi mostrar à Troika que se cortou.

Do mesmo modo, procedeu-se também à reorganização do mapa Judicial, que tem sido tudo menos consensual entre os vários agentes e sectores que a envolvem, estando por provar se o sistema judicial vai ficar mais eficiente no futuro.

Paralelamente a estas duas iniciativas foi também alterado o estatuto das entidades intermunicipais, que pese embora, evidencie algumas vantagens, não substitui um poder regional, devidamente legitimado pelo voto com atribuições descentralizadas do poder central, autonomia administrativa, fiscal e financeira, como acontece noutros países europeus.

Todas estas medidas, inserem-se naquilo a que o Governo apelida de reforma do Estado. Contudo, uma reforma do Estado, começa pela revisão das funções do Estado, promove mudanças no sistema político em vigor, encetando posteriormente as alterações e adaptações necessárias à máquina do Estado.

Durante o último ano tem pairado no ar a “ameaça” de encerramento de mais uns quantos serviços públicos, com particular destaque para os serviços da Administração tributária. É neste domínio que se centra a reorganização dos Serviços de atendimento da AP.

Esta reorganização caracteriza-se por implementar em cada Município, uma loja do cidadão, que contará também com uma rede complementar de serviços digitais. Aparentemente, estamos perante uma óptima ideia, que de facto permitirá a racionalização dos serviços e poderá promover mais eficácia e eficiência na prestação dos serviços públicos. Vários serviços poderão passar a ser disponibilizados aos Munícipes, evitando a deslocação das pessoas a Concelhos limítrofes ou à sede de Distrito para tratar de certos documentos.

Se assim for, esta reestruturação dos serviços de atendimento da AP, pode significar um avanço na relação entre o Estado e o Cidadão. Acontece que, ainda não entendi bem porque vão ser disponibilizadas soluções de mobilidade, como a carrinha do cidadão (viatura equipada com serviços moveis) e o projecto “Portugal porta-a-porta” (transportes públicos a pedido), se em cada sede de Concelho será instalada uma Loja do Cidadão com os mesmos serviços até então disponibilizados, acrescidos de outros anteriormente indisponíveis.

A forma que o Governo encontrou para evitar o encerramento dos serviços de finanças e com isso imenso barulho em ano de eleições, parece uma solução óptima, mas quando a esmola é grande, o santo desconfia. A ver vamos, se não teremos lojas do cidadão de primeira em Municípios de primeira (com vasta oferta de serviços) e lojas do cidadão de segunda em Municípios de segunda (com a oferta existente até aqui, concentrada num único espaço físico), tendo os Munícipes que recorrer aos tais serviços de mobilidade, sempre que precisem de tratar de assuntos em serviços públicos não contemplados pela sua loja.

Estancado o frenesim do “fecha, não fecha”, a questão que se coloca é a de saber que espécie de loja do cidadão vai existir em cada Concelho e que serviços serão prestados. Temos fé que alguém tenha dito aos reformadores de gabinete, que no Alto Tâmega, a rede de transportes públicos prevista no projecto porta-a-porta, não existe.