terça-feira, 3 de junho de 2014

Preocupante e assustador

O resultado eleitoral das recentes eleições para o Parlamento Europeu, colocaram a nu o grave problema que as democracias contemporâneas enfrentam nos tempos de hoje. Em França, no Reino Unido e na Dinamarca, partidos populistas de extrema-direita, ganharam as eleições. Na Áustria, Finlândia e Hungria, foram os segundos ou terceiros mais votados. Na Grécia venceu um partido de extrema-esquerda. Resultado disto, os partidos designados como eurocépticos e os partidos extremistas de direita ou de esquerda, são hoje uma força poderosa no Parlamento Europeu. Para se ter uma melhor percepção, dos 751 Deputados que compõem o Parlamento Europeu, 43 são agora ocupados pela esquerda radical e 141 por representantes de partidos nacionalistas, de extrema-direita e eurocépticos.

Na verdade há duas questões que se colocam desde logo. Porque têm os partidos eurocépticos hipótese de concorrer e ocupar lugares numa instituição parlamentar com a qual querem acabar? Sim, porque, os países estão na Europa por livre iniciativa. Houve referendos em vários países quanto à adesão à União Europeia e mesmo quanto à adesão à moeda única. Se estes partidos eurocépticos assumem a saída da União Europeia como o primordial objectivo, é estranho que a Europa das liberdades lhe dê a possibilidade de serem eleitos para uma instituição que desejam exterminar.

Quanto aos partidos extremistas, de direita e esquerda, nacionalistas, alguns deles defensores do neonazismo, a Europa ergueu-se após a II Guerra Mundial, precisamente para se unificar em torno de um projecto democrático que nunca mais permitisse a existência de tais fenómenos, responsáveis pelos maiores e bárbaros crimes contra a humanidade. Como pode, na sociedade em que vivemos, ser tolerada, a existência e legalização de partidos que têm na sua mensagem ideológicas conotações com o nacional fascismo?

Os dois maiores grupos, populares, onde se inclui PSD e CDS e o grupo dos Socialistas e Democratas, onde se encontra o PS, grandes obreiros da construção europeia, não podem deixar de olhar para estes resultados com extrema preocupação. A fuga do eleitorado para fenómenos populistas e extremistas é uma preocupante e assustadora evidência. Fossem estes partidos moderados, ideologicamente equilibrados e o problema não se colocava. Acontece que a matriz ideológica de alguns destes Partidos é absolutamente contraditória com o espírito de uma Europa solidária, tolerante, cosmopolita, respeitante dos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade que se construiu no pós-guerra.

A verdade é que queiramos ou não, existe hoje um divórcio evidente entre as instituições europeias e os seus cidadãos. Apesar de termos consciência de que muito das nossas vidas é decidido em Estrasburgo e Bruxelas, não temos ainda um verdadeiro espírito de cidadania europeia. Talvez isso ajude a explicar a fraca adesão aos actos eleitorais para o Parlamento Europeu em todos os países da União. E diga-se, a maior amiga dos fenómenos extremistas, é precisamente, a abstenção.

A resposta à crise das dívidas soberanas e estes últimos 5 anos potenciaram nos cidadãos a ideia de que os pilares em que assentam as instituições europeias não são tão fortes como se possa pensar. A Europa tardou em reagir à crise dos mercados. Adiou o inadiável e deixou agravar a situação ao ponto de o euro ter sido posto em causa, bem como o abandono de alguns países. Esta fragilidade motivou o crescimento das forças eurocépticas e dos fenómenos extremistas. Por outro lado, aumentou a desconfiança dos cidadãos para com a Europa, que lhes impôs como castigo, uma austeridade excessiva, como resposta à crise dos mercados financeiros. Mario Draghi e o seu Mecanismo de Estabilidade Europeu, entre outros instrumentos de resposta à crise, deveriam ter chegado mais cedo. Os políticos andaram a navegar, perdidos no oceano burocrático, sem resposta para uma crise que ia devastando todo o projecto europeu.

A Europa, tem que escolher um caminho. Não pode continuar submersa nas dúvidas que a assolam. É importante que os países mais poderosos, digam definitivamente se querem ou não uma união política e monetária de estados federados. Não pode continuar a ter uma moeda, apenas de um grupo de países. É urgente criar condições para que a verdadeira união política e monetária seja uma evidência e isso passa essencialmente pela reforma das instituições europeias. Sim, precisamos de um Governo Europeu, de um Presidente da União Europeia, de um exército europeu. Se existe uma moeda única, um Banco Central, Tribunais Europeus e direito comunitário, porque tarda a existência de uma verdadeira União Política e Monetária?

Precisamos de mais Europa, sem perder identidade e soberania nacional, porque o resto já está construído. O edifício não pode é ficar sem telhado nem janelas. Só com mais Europa, se evita o alastramento dos extremismos radicais que além de devastarem o projecto europeu poderão mais tarde ou mais cedo por em causa a nossa identidade e o modo democrático como vivemos e queremos continuar a viver.