O resultado eleitoral das recentes eleições para
o Parlamento Europeu, colocaram a nu o grave problema que as democracias
contemporâneas enfrentam nos tempos de hoje. Em França, no Reino Unido e na
Dinamarca, partidos populistas de extrema-direita, ganharam as eleições. Na
Áustria, Finlândia e Hungria, foram os segundos ou terceiros mais votados. Na
Grécia venceu um partido de extrema-esquerda. Resultado disto, os partidos
designados como eurocépticos e os partidos extremistas de direita ou de
esquerda, são hoje uma força poderosa no Parlamento Europeu. Para se ter uma
melhor percepção, dos 751 Deputados que compõem o Parlamento Europeu, 43 são
agora ocupados pela esquerda radical e 141 por representantes de partidos
nacionalistas, de extrema-direita e eurocépticos.
Na verdade há duas questões que se colocam desde
logo. Porque têm os partidos eurocépticos hipótese de concorrer e ocupar
lugares numa instituição parlamentar com a qual querem acabar? Sim, porque, os
países estão na Europa por livre iniciativa. Houve referendos em vários países
quanto à adesão à União Europeia e mesmo quanto à adesão à moeda única. Se
estes partidos eurocépticos assumem a saída da União Europeia como o primordial
objectivo, é estranho que a Europa das liberdades lhe dê a possibilidade de
serem eleitos para uma instituição que desejam exterminar.
Quanto aos partidos extremistas, de direita e
esquerda, nacionalistas, alguns deles defensores do neonazismo, a Europa
ergueu-se após a II Guerra Mundial, precisamente para se unificar em torno de
um projecto democrático que nunca mais permitisse a existência de tais
fenómenos, responsáveis pelos maiores e bárbaros crimes contra a humanidade.
Como pode, na sociedade em que vivemos, ser tolerada, a existência e legalização
de partidos que têm na sua mensagem ideológicas conotações com o nacional
fascismo?
Os dois maiores grupos, populares, onde se inclui
PSD e CDS e o grupo dos Socialistas e Democratas, onde se encontra o PS,
grandes obreiros da construção europeia, não podem deixar de olhar para estes
resultados com extrema preocupação. A fuga do eleitorado para fenómenos
populistas e extremistas é uma preocupante e assustadora evidência. Fossem
estes partidos moderados, ideologicamente equilibrados e o problema não se
colocava. Acontece que a matriz ideológica de alguns destes Partidos é
absolutamente contraditória com o espírito de uma Europa solidária, tolerante,
cosmopolita, respeitante dos valores da liberdade, da igualdade e da
fraternidade que se construiu no pós-guerra.
A verdade é que queiramos ou não, existe hoje um
divórcio evidente entre as instituições europeias e os seus cidadãos. Apesar de
termos consciência de que muito das nossas vidas é decidido em Estrasburgo e
Bruxelas, não temos ainda um verdadeiro espírito de cidadania europeia. Talvez
isso ajude a explicar a fraca adesão aos actos eleitorais para o Parlamento
Europeu em todos os países da União. E diga-se, a maior amiga dos fenómenos
extremistas, é precisamente, a abstenção.
A resposta à crise das dívidas soberanas e estes
últimos 5 anos potenciaram nos cidadãos a ideia de que os pilares em que
assentam as instituições europeias não são tão fortes como se possa pensar. A
Europa tardou em reagir à crise dos mercados. Adiou o inadiável e deixou agravar
a situação ao ponto de o euro ter sido posto em causa, bem como o abandono de
alguns países. Esta fragilidade motivou o crescimento das forças eurocépticas e
dos fenómenos extremistas. Por outro lado, aumentou a desconfiança dos cidadãos
para com a Europa, que lhes impôs como castigo, uma austeridade excessiva, como
resposta à crise dos mercados financeiros. Mario Draghi e o seu Mecanismo de
Estabilidade Europeu, entre outros instrumentos de resposta à crise, deveriam
ter chegado mais cedo. Os políticos andaram a navegar, perdidos no oceano
burocrático, sem resposta para uma crise que ia devastando todo o projecto
europeu.
A Europa, tem que escolher um caminho. Não pode
continuar submersa nas dúvidas que a assolam. É importante que os países mais
poderosos, digam definitivamente se querem ou não uma união política e
monetária de estados federados. Não pode continuar a ter uma moeda, apenas de
um grupo de países. É urgente criar condições para que a verdadeira união
política e monetária seja uma evidência e isso passa essencialmente pela
reforma das instituições europeias. Sim, precisamos de um Governo Europeu, de
um Presidente da União Europeia, de um exército europeu. Se existe uma moeda
única, um Banco Central, Tribunais Europeus e direito comunitário, porque tarda
a existência de uma verdadeira União Política e Monetária?
Precisamos de mais Europa, sem perder identidade
e soberania nacional, porque o resto já está construído. O edifício não pode é
ficar sem telhado nem janelas. Só com mais Europa, se evita o alastramento dos
extremismos radicais que além de devastarem o projecto europeu poderão mais
tarde ou mais cedo por em causa a nossa identidade e o modo democrático como
vivemos e queremos continuar a viver.