Encontra-se em discussão na Assembleia da República, uma proposta de Lei, que visa alterar o estatuto das entidades intermunicipais e o regime jurídico do associativismo autárquico.
As Comunidades Intermunicipais (CIM) foram instituídas no ano de 2003, pelo Governo liderado pelo Dr. Durão Barroso, afigurando-se politicamente como a resposta possível à lacuna existente em termos político-administrativos, de um nível intermédio de poder entre a Administração Central e a Administração Local, congregador de vários Municípios com interesses comuns.
Apesar de numa primeira fase o processo de constituição das entidades não ter sido pacífico, as CIM têm vindo a assumir enorme relevo e destaque, com a participação na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional, designadamente no âmbito da gestão do QREN.
Parece-me consensual que a existência de um poder descentralizado do poder central, confere eficiência à governação, no que respeita à afectação, distribuição e estabilização, dos recursos públicos. O planeamento estratégico e integrado de redes de infraestruturas e equipamentos no âmbito dos serviços de interesse geral, a racionalização de recursos e os ganhos de escala com a provisão pública de bens e serviços, são algumas das vantagens que o associativismo intermunicipal pode potenciar.
Relativamente ao estatuto ainda em vigor, a proposta em cima da mesa, representa, no actual quadro de evolução da gestão pública intermunicipal, um enorme retrocesso político e democrático, muito provavelmente gerador de ineficiências diversas, inclusive, financeiras. Por outro lado, o problema central, manter-se-á, uma vez que continuará a não existir um poder regional, autónomo, legitimado democraticamente, efectivamente descentralizado do poder central, capaz de contribuir para uma maior e melhor eficiência na afectação dos recursos públicos.
Trata-se de um modelo concebido a “régua e esquadro”, tal como o anterior, prejudicial à coesão territorial, precisamente porque impõe por via legislativa a constituição e composição destas entidades, retirando capacidade, vontade e liberdade de associação ao Município, sem prever ou possibilitar a participação das populações.
Incompreensíveis são também as alterações ao modelo de governação. Actualmente, os órgãos das CIM, são a Assembleia Intermunicipal, constituída por membros de cada Assembleia Municipal, eleitos de forma proporcional, em função do número de eleitores em cada Município e um Conselho Executivo, constituído pelos Presidentes das Câmaras Municipais de cada um dos Municípios, que elegem, de entre si, um Presidente e dois Vice-presidentes. Convém referir que estes cargos não são remunerados. Também o quadro de pessoal das entidades é composto, através dos instrumentos de mobilidade, por pessoal oriundo de cada um dos Municípios.
A proposta que está agora em cima da mesa representa um enorme contra-senso e até retrocesso democrático. Os Presidentes de Câmara deixam de ter assento no Conselho Executivo para passarem a integrar o órgão deliberativo. Os membros das Assembleias Municipais deixam de pertencer a qualquer órgão. O Conselho Executivo, até agora, composto pelos Presidentes de Câmara, ou seja, por representantes eleitos pelo povo, não remunerados pelo exercício de funções, passa a ser constituído por três membros executivos, remunerados, eleitos através de lista única, algo completamente inadmissível numa sociedade democrática. Isto representa a criação de mais cargos políticos com vencimento e despesas de representação, além de retirar ainda mais legitimidade democrática a estas entidades.
Retirar os Presidentes de Câmara dos órgãos executivos e os membros das Assembleias Municipais do órgão deliberativo, significa desresponsabilizar os Municípios pela gestão intermunicipal, ou seja, desvirtuar a natureza e essência das próprias entidades, além de ser um verdadeiro retrocesso democrático, face aos pressupostos de composição e de eleição dos órgãos destas entidades.
Outra das inovações verdadeiramente inconcebível, passa pelo facto de os Municípios terem que sujeitar à apreciação do órgão deliberativo, o Conselho Intermunicipal, matérias da sua exclusiva competência, como a fixação de taxas e tarifas, concessão de benefícios fiscais, o valor da taxa do IMI, ou seja, poderes tributários conferidos por Lei ao Município e que não podem constitucionalmente ser colocados perante a tutela de nenhuma outra instituição ou órgão que não os órgãos do Município.
Tudo isto constitui um verdadeiro atentado à autonomia local e aos princípios da descentralização política e administrativa, sem paralelo. Não entendo como podem os críticos da instituição das Regiões Administrativas, aceitar a existência destas entidades, dotadas de órgãos próprios e gestoras de fundos públicos nos respectivos territórios, mas, “feridas” de legitimidade democrática, ainda que, habilmente, no projecto de Lei em discussão, sejam tratadas como pessoas colectivas de população e território, ou seja, Autarquias Locais, facto que violará a Constituição, uma vez que a Lei fundamental, estabelece que no continente, as Autarquias Locais são as Freguesias, os Municípios e as Regiões Administrativas.
Onde param os críticos da regionalização, que tanto ruído criaram no referendo de 1998?