sábado, 6 de abril de 2013

E agora?


O Acordão do Tribunal Constitucional (TC) deixou o Governo em estado de choque, segundo relata a imprensa. Depois de praticamente todos os Constitucionalistas, juristas, fazedores de opinião oriundos dos diversos quadrantes terem alertado o Governo para possíveis ilegalidades da Lei do Orçamento de Estado (OE), parece que só mesmo o Governo, ficou perplexo com as inconstitucionalidades apontadas pelos Juízes do Palácio Ratton.

As decisões dos Tribunais, devem ser respeitadas, mas podem ser criticadas. Foi o que o Governo acabou de fazer, numa reunião hoje à tarde que durou pouco mais de três horas e serviu essencialmente para analisar a situação política. Aceita-se a crítica, mas não é admissível que o Governo se intrometa no momento da tomada de decisão pelo Tribunal, alegando que na próxima semana decorrerá uma importante reunião para negociar as maturidades dos empréstimos. Tudo teria sido mais célere e prudente, talvez sem mediatismos e espectáculos indesejáveis, se o Presidente da República tivesse solicitado aos Magistrados a fiscalização preventiva do diploma. Dia 13 de Janeiro, estaria tudo resolvido.

Não foi o TC que criou o problema, como agora se pretende evidenciar. Quem criou o problema, foi o Governo. O TC, não deve ser agora visto como o bode expiatório. O Governo não deve enveredar por esse caminho. Desde logo, porque não tem sido por causa da Constituição da República Portuguesa que ainda não acertou qualquer previsão orçamental, económica ou social, desde que assumiu funções. Recorde-se que no espaço de dois meses, o cenário previsto de recessão para o corrente ano, foi revisto em baixa de 1% para 2,3% do PIB. Também a execução orçamental do ano de 2012 falhou relativamente ao previsto, nomeadamente no que concerne à receita orçamental. E não esqueçamos que no ano passado o TC, apesar de apontar as mesmas inconstitucionalidades, “deixou passar” o Orçamento. Mesmo assim, chegamos ao fim do ano, sem que nenhuma melhoria económica, orçamental ou social se visse. Pelo contrário, a situação agravou-se e por isso, o “brutal aumento de impostos” previsto no OE 2013. Brevemente conheceremos a execução orçamental do primeiro trimestre deste ano. Se os números não agradarem, apesar do "brutal aumento de impostos" a credibilidade do Governo, levará outro abanão.

O Governo tem três ou quatro bons Ministros. Mas tem um mau Primeiro-ministro e um Ministro das Finanças, mais técnico do que político. É um Governo mal construído do ponto de vista orgânico. Curto e com dois Ministérios ingovernáveis em função da sua dimensão. É um Governo sem programa, sem projecto, sem alma nem arrojo. Descurou a economia em prol das finanças. Não soube cuidar destas e desgraçou a outra. O programa da Troika tornou-se no seu próprio programa e o pior erro foi precisamente o de ir além desse programa, insistindo numa austeridade demasiado severa que acabou por agravar todos os indicadores económicos e também orçamentais, com reflexos sociais gravíssimos.

Outro grave erro político cometido pelo Primeiro-ministro e sobretudo pelo partido da maioria, foi o afastamento progressivo em relação ao PS. Deveriam ter comprometido e envolvido o PS, não propriamente na governação, mas na inevitável reforma do Estado que deveria ter começado no início do programa de ajustamento, de forma paralela e complementar ao mesmo e não agora, sem qualquer condição, para fazer caminho, estando reduzida a um corte orçamental de quatro mil milhões de euros de despesa pública.

Insistir consecutivamente em culpabilizar o PS por ter pedido a ajuda externa foi um erro clamoroso. Por um lado, contraria a ideia inicial, do “não nos desculparemos com o passado”, além de não ser coerente. Por outro, não sendo sério, apesar de repetido muitas vezes, teve o condão de promover uma ruptura definitiva com a actual direcção do Partido Socialista, pressionada por vários sectores do Partido para contrariar esse discurso.

Infelizmente, o Presidente da República, não conseguiu evitar esta ruptura. E parece que não consegue promover consensos, apesar dos apelos. Porque este Presidente, dividiu, teve dois pesos e duas medidas na avaliação política das governações desde o início da crise. Escreve muito no facebook e ajusta contas através dos prefácios dos seus roteiros. Se continua assim, a batata irá rebentar-lhe na mão.

O Governo agravou o problema. Seguro diz que o Governo criou o problema, mas isso também não é verdade. O problema vem de longe. Mas este Governo, é verdade, agravou o problema. Não é admissível contudo, dizer que quem criou o problema, que o resolva. Não é isso que os Portugueses esperam do líder do maior Partido da oposição.

António José Seguro, tem razão, quando diz que avisou consecutivamente o Governo. Recorde-se que o Secretário-geral Socialista, realizou pelo menos três audiências com o Presidente da República, precisamente para alertar  para a quebra de consenso político eminente e para o facto do caminho seguido pelo Governo não estar a dar resultados. Seguro foi à Europa, falou com os maiores lideres, com o Presidente da Comissão, reuniu com a Troika várias vezes. Seguro tem avisado e tem feito as suas propostas, é um facto. Contudo, não se pode alienar totalmente da situação e querer realizar eleições “à força”.

As eleições não são um drama. Nem podem ser vistas como tal. Só há democracia se houver eleições. Mas a verdade é que o momento é muito complexo, quer em termos políticos, quer em termos económicos e financeiros. O momento exige muita responsabilidade, bom senso e maturidade política. Exige que se eleve o espírito de missão e serviço público e que as instituições e os seus líderes estejam à altura.

É por isso que não me parece que o melhor caminho seja a realização antecipada de eleições. Nem elas vão acontecer, a não ser que o Governo se demita. Muito dificilmente resultaria do acto eleitoral, uma nova maioria. Trocar-se-iam as posições, entre poder e oposição, mas não se resolveria o problema, porque a resolução do problema carece de um pacto de regime, que possibilite a criação de condições para a realização de verdadeiras reformas em domínios chave da governação. Por outro lado, perder-se-iam três meses e iria acontecer precisamente o que aconteceu no início do ano de 2011, quando se somou à crise económica e financeira, uma crise política, para a qual muito contribuiu o Presidente da República.

O PS tem aqui um momento para evidenciar o erro que foi cometido em 2011 e colocou o país aos pés da Troika, evitando a sua repetição. Não esqueçamos o massacre consecutivo das agências de rating entre o momento da demissão do Governo e a tomada de posse do novo executivo. Não esqueçamos que a dívida galopou mais nesses três meses do que no resto do ano inteiro. Se foi um erro constituir um Governo minoritário em 2009 no epicentro da crise económica mundial, criar uma crise política em 2011, promovendo novamente eleições, não será um erro maior repetir esse caminho, quando o cenário económico, financeiro e social está bem pior?

Só nos resta um caminho, como aliás, só nos restava um caminho, mais cedo ou mais tarde, independentemente da Constitucionalidade ou não da Lei do OE: encontrar no actual quadro parlamentar, um consenso político mais alargado que o actual, capaz de criar condições para a renegociação da dívida, possibilitando que a legislatura prossiga até ao seu termo.

Estarão Passos, Seguro, Cavaco e Portas à altura do momento?

Este é um tempo para políticos sérios e a sério. Não é tempo para amadorismos.