quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Crise, crise, crise


7 de Setembro, um dia quente em Portugal, a Selecção Nacional iria iniciar ao fim da tarde a fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2014 no Brasil e a Troika tinha assentado arraiais no Terreiro do Paço para avaliar a execução do programa que nos está destinado, gerido em conjunto com o próprio programa do Governo Português.

Com os números do primeiro semestre a não deixarem margem para dúvida quanto ao cumprimento das metas estabelecidas para o corrente ano, nomeadamente a questão do défice público muito longe dos 4,5% acordados, Portugal mergulhado numa profunda recessão com níveis de desemprego alarmantes e a dívida pública a continuar a aumentar, os semblantes dos homens da Troika e do Governo nas aparições públicas durante a semana nas televisões, deixavam antever um reforço do xarope com que nos tem dopado, acreditando que será desta que a coisa se irá inverter.

Para a Troika, Portugal tem que correr bem. Enche-se a boca por essa Europa que o pacote Troikano está a funcionar em Portugal, mas na verdade não está. Primeiro, porque o Governo é mais ambicioso (palavras do primeiro-ministro) do que a própria Troika e então tem resolvido injetar-nos outras xaropadas que em vez de nos cavalgarem para uma recuperação têm apenas contribuído para definharmos ainda mais. Essas xaropadas fazem parte do seu próprio programa, apesar de a certa altura já ser difícil decifrar que medidas são da Troika e que medidas são do Governo. Segundo, porque as tais reformas estruturais com que todos os Governos iniciam a governação, estão na sua maioria, umas na gaveta, outras no cofre, outras ainda em papel e as poucas que andaram, de forma avulsa e pouco coordenada parecem agora estar em banho-maria.

Veja-se o que se passa no sector da Justiça, com a ministra eclipsada depois dos conflitos com os autarcas e populações após anunciada a reforma do mapa judiciário e veja-se também como está na gaveta a reforma do Estado e do sistema político que urge fazer. O caso mais gritante foi o regresso à gaveta da alteração à lei eleitoral autárquica que faz da famigerada reforma do poder local uma mera extinção de freguesias. O ministro da economia não existe. Pelas próprias mãos foi-se suicidando aos poucos, devido à inabilidade política demonstrada perante tubarões e até fanecas. A academia vale o que vale e o Álvaro estava melhor na universidade Canadiana onde ensinava economia do que mergulhado na realidade para lá dos compêndios, mais dolorosa e exigente, coisa para académicos de barba rija e não para tenrinhos como ele parece ser no mundo político.

O resto são super ministérios erraticamente criados, para gerar soundbites na opinião pública e publicada, de que este governo criou poucos ministérios e gabinetes e corta nas tais gorduras do Estado, (o que nem é o caso, porque as ineficiências da medida custam muito mais) até que agora tem dois ministérios perfeitamente ingovernáveis, sendo um deles, gerido pelo Álvaro. (Álvaro é o ministro da economia que pediu para assim ser tratado, por Álvaro).

Havia também um Ministro, aparentemente blindado, o mais experiente e político de todos, que faria toda a coordenação política entre a coligação, o parlamento e os partidos que suportam o Governo, mas que neste momento está exilado no Brasil, talvez a tirar uma qualquer formação em marketing a ver se consegue recuperar a imagem depois de Portugal ficar a saber que tirou um curso superior fazendo apenas 4 cadeiras. O dr. Relvas, o mais musculado e o único homem de barba rija comparando aos meninos de coro que compõem o executivo governamental, foi o primeiro a tombar e isso ainda hoje custa imenso crédito ao Governo e especialmente ao Primeiro-Ministro que perdeu o seu número dois numa altura em que mais precisava da sua experiência no teatro político.

Voltando ao fatídico 7 de Setembro, minutos antes da Selecção Nacional entrar em campo, Pedro Passos Coelho, comunica oficialmente ao país, mais um pacote de complexas e duras medidas de austeridade, cuja génese ideológica faz parte do seu código e daqueles que o aconselham, destacando-se o aumento em 7 % de contribuições dos trabalhadores para a segurança social e a redução da taxa social única (TSU) em 5,75% para as empresas, na tentativa destas gerarem emprego em função desta diminuição dos seus gastos operacionais.

Tal medida, teve o condão de unir praticamente um país inteiro (no fim-de-semana seguinte saiu à rua um milhão e meio de pessoas por todo o país a protestar) patrões e assalariados, não havendo uma única alma, mesmo aqueles que supostamente entende mais destas matérias, economistas e especialistas em finanças públicas a defender tal medida, a não ser os conselheiros de Passos Coelho, destacando-se o seu mentor, o Dr. António Borges.

Quando foi cantar a Nini dos 15 anos ao coliseu, Passos Coelho estava longe de imaginar que por essa hora já as televisões se digladiavam por audiências, com painéis de especialistas a zurzir forte e feito no pacote apresentado, que na opinião de todos, será gerador de mais desemprego e colocará os Portugueses a pão e água.

Como se não bastasse, juntou-se a isto uma crise política, fomentada dentro da própria coligação governamental. Passos conseguiu ele próprio soltar as amarras que ligavam o maior partido da oposição, o Partido Socialista, à governação e que buscava continuamente uma forma de se libertar para caminhar pelo seu próprio pé, o que até então ainda não tinha conseguido. Pior do que isto, foi o rombo na própria coligação governamental, que esfriou de todo as relações entre os dois partidos que a suportam, com comunicados e declarações avulsas, reuniões dos estados-maiores partidários, que não deixam margem para dúvida de que esta coligação ficou ferida de morte, sendo mesmo uma questão de tempo, dado que seria de todo irresponsável materializar essa crise política em novas eleições neste momento.

A Europa já não pode encher a boca com o aparente consenso político e até social que se vive em Portugal mesmo com tanta austeridade que os Portugueses têm enfrentado. Não pode porque o Primeiro-Ministro deitou tudo a perder, de forma inexperiente, abrupta e imatura.

Depois de se ter assistido a uma senão a maior manifestação de gente na rua a protestar e de publicamente vermos todas as associações, confederações patronais, centrais sindicais partidos políticos e das mais variadas personalidades políticas à esquerda e à direita manifestarem o seu repúdio e anunciarem o desastre económico e social que isto será se for aprovado, o Presidente da República decidiu convocar o Conselho de Estado para amanhã, dia 21.

Portugal ainda tem um Presidente da República, pelos vistos, resta saber, se consegue cumprir o seu principal papel, ou seja, moderar e gerar consensos em tempos de crise, mesmo quando aqueles que têm responsabilidade de eliminar a crise, juntam crise à própria crise.