As afirmações do Ministro Paulo Portas numa carta enviada aos militantes do seu partido, relativamente ao acórdão do Tribunal Constitucional sobre a questão dos subsídios de férias e de natal dos funcionários do Estado são verdadeiramente lamentáveis, para não dizer, inqualificáveis.
Um Ministro não pode dizer que uma decisão soberana de um Tribunal Constitucional “coloca um problema que o país dispensava”. O estado da justiça em Portugal está como está também por causa desta promiscuidade entre poder legislativo e judicial, quando dá jeito e quando não dá, a uns e a outros.
Portas, não é um Ministro qualquer. É um político experiente, talvez o único político experiente no actual Governo, tendo em conta que Relvas está a arder. É o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Não pode, ainda que o pense em privado, vir a público incendiar a praça com este género de afirmações.
Na verdade esta constante intriga e distinção entre funcionários públicos e privados, provocada deliberadamente pelos governantes, numa espécie de “dividir para reinar” é verdadeiramente ridícula e penaliza todos os trabalhadores portugueses. Fomenta a mesquinhez, a inveja e a pequenez. Ninguém vive com o mal dos outros ainda que com ele possa bem. Não entendo que a um trabalhador do sector privado interesse que o trabalhador do sector público seja penalizado com reduções e cortes salariais e de subsídios, até porque isso prejudica gravemente o consumo interno, logo penaliza as empresas, a maior fonte de criação de emprego e manutenção de postos de trabalho.
Não sei que sector será melhor remunerado, se o sector público, se o sector privado. Sei que não se pode comparar o incomparável. Vou comparar o salário de um Magistrado com o de quem? Vou comparar o salário de um polícia com o de quem? Vou comparar o salário de um quadro da Sonae com o de quem? Vou comparar o salário dos gestores bancários com os de quem? Posso comparar os 650 euros da administrativa que está no balcão do centro de saúde da Baixa da Banheira a atender tudo e todos com o salário da administrativa que está no balcão da clínica da CUF, isso é verdade.
É preciso ver do que estamos a falar e comparar o comparável. Quanto ao resto, tudo se resolveria facilmente, se a legislação laboral entre público e privado se harmonizasse e aproximasse ainda mais, ainda que esse caminho esteja cada vez mais curto.
O Governo optou pela via mais fácil para cumprir os objectivos orçamentais. A execução orçamental do primeiro semestre do ano revela isso mesmo. Se as metas forem atingidas serão à custa dos cortes nos vencimentos, subsídios, pensões e reformas dos funcionários do estado e dos reformados em geral. Não será à custa da milionária pensão de reforma do senhor Jardim Gonçalves que ronda os 175 mil euros, nem dos salários dos administradores da RTP, excepcionalmente poupados a qualquer corte, nem das regalias dos administradores e directores do sector empresarial do Estado nem dos 639 mil euros que o dr. Catroga aufere na EDP.
É lamentável que o Ministro de Estado e dos Negócios estrangeiros se refira a uma decisão de um Órgão de soberania nestes termos. Quem causa um problema suplementar ao país não é a decisão do Tribunal Constitucional mas sim a falta de coragem política para afrontar interesses instalados e enraizados entre sector privado e sector público.
Os Tribunais, de facto, em muitos casos tem causado embaraços ao pais. No caso portucale, no caso dos submarinos, no caso freeport entre tantos outros onde o Estado é efectivamente lesado e justiça nem vê-la. Mas nesses casos, os Ministros estão normalmente calados.
Não me admira que um destes dias venham dizer, “que se lixem os tribunais”.