"A Crise Explicada às Crianças" é um livro do jornalista João Miguel Tavares, director adjunto da revista "Time Out", com ilustrações de Nuno Saraiva, que tem como objectivo explicar aos mais novos o que nos conduziu à actual crise económica e financeira.
A história do livro é simples: duas crianças pedem aos pais que lhes expliquem a crise. Estes, conforme a sua ideologia política, de esquerda ou de direita, usam um urso e abelhas para explicar aos filhos o que são o défice e os mercados financeiros.
Para apresentar a obra foi convidado de honra o Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que de forma simpática e descontraída resumiu desta forma: “no livro o défice é como um urso gordo. Os mercados são como abelhas desordeiras. Para o pai do Tomás é preciso por ordem no urso gordo e para o pai do Tomé, nas abelhas desordeiras. No final da história o Tomás e o Tomé, referem aos pais a historia vista do ponto de vista do amigo. Para os pais, não há a menor dúvida: o outro está a ver o mundo de pernas para o ar.”
Concluindo, o livro de João Miguel Tavares e Nuno Saraiva explica a crise conforme a ideologia de cada leitor: se prefere as justificações defendidas pela esquerda começa a ler o livro por um lado, se prefere as justificações defendidas pela direita começa a ler pelo outro. Como se trata de uma obra para crianças aceitam-se estas duas perspectivas. Contudo, olhar para a actual crise económica e financeira apenas por estas duas vias ou culpar unicamente uma ou outra pela situação a que chegamos torna-se extremamente redutor e não ajuda a encontrar o centro nevrálgico do problema.
A obra destina-se a crianças, mas a verdade é que também os adultos tendem a olhar para a crise, cada um à sua maneira, sacudindo a água do capote. Existe sobretudo uma enorme crise política, de confiança e de lideranças, que por sua vez degenera noutras tantas crises onde se inclui esta crise financeira e económica que se alastrou pela Europa. Desde o inicio da dita crise, já foram “varridos” 10 líderes europeus, independentemente da sua ideologia, ser de esquerda ou de direita. Quem está no Governo, cai. Nicolas Sarkozy, foi o último.
É verdade que o urso (Estado/Famílias) come imenso mel e parece insaciável, dorme muito e o que produz tem pouca sustentabilidade. Tem que mudar de vida, sem qualquer dúvida. Verdade também que as abelhas (Mercados) alimentaram o urso para agora o sugarem até ao tutano. Andaram em roda livre, muitas vezes sem controlo nem regulação.
Deixando o Tomás e o Tomé na fantasia e descendo ao país real, o Tiago e o André, são dois irmãos adolescentes de 15 e 12 anos, vítimas de distrofia muscular de Duschenne, uma doença genética incurável que os deixou numa cadeira de rodas.
O drama desta família residente no Arco de Baulhe, foi relatado numa grande reportagem do Expresso, na edição de 12 de Maio. A mãe de 52 anos, tem 7 filhos a cargo. O dinheiro que recebe da pensão do marido e do Rendimento de Inserção Social, mal dá para pagar as despesas mensais.
Até há um ano atrás, tinham direito a 5 viagens ao Porto para irem às consultas. Com a mudança das regras, devido aos cortes orçamentais o Hospital deixou de passar a credencial que lhes dava esse direito. Dai para cá, a mãe dos garotos ainda levou os filhos a duas consultas, recorrendo à Cruz Vermelha, a quem ficou a dever 238 euros pelo transporte, que agora não tem como saldar. Resultado, os filhos com uma doença incurável deixaram de ir às consultas.
Este exemplo não é único, apesar de ser dos mais dramáticos, tendo em conta a doença genética de que sofrem os rapazes. Um pouco por todo o país cada vez existem mais pessoas a faltar a exames e consultas por não conseguirem pagar a deslocação. Com os constrangimentos orçamentais impostos ao sector da saúde, os Hospitais e Centros de Saúde passaram a restringir as respectivas credenciais que asseguram o direito ao transporte dos doentes. Actualmente, beneficiam de transporte gratuito os utentes com um rendimento mensal do agregado familiar inferior a 419 euros, (independentemente do número de elementos) e situações clínicas incapacitantes. O próprio Governo admitiu o problema e promete alterar novamente a lei com a maior brevidade possível.
É aqui que entra a política e os políticos, para além de qualquer dicotomia ideológica. Os políticos são decisores públicos. Tomam decisões que afectam consideravelmente a vida das pessoas. Este caso é o melhor exemplo disso mesmo. Precisamos de boas políticas públicas e de melhores políticos para as executarem, independentemente da componente ideológica que os possa sustentar. É preciso alguém que adestre o urso e ponha as abelhas no seu devido lugar.
O país vai aguentando como pode as consequências da visão afunilada que os actuais políticos (em Portugal e na Europa) têm demonstrado na liderança do actual momento. No caso em concreto, a restrição imposta não teve o discernimento nem o bom senso que uma decisão política tem que ter. Foi cega, pura e dura, como estão a ser outros cortes entretanto efectuados. As consequências estão à vista e o próprio Governo vai corrigir o erro desnecessariamente provocado.
Muito em breve será publicada uma nova lei que aumenta de 419 para 628 euros mensais o limite de rendimentos para se ter acesso ao transporte gratuito. Vai ser também alargado este direito a quem tem de recorrer ao SNS pelo menos oito vezes por mês. No caso dos doentes oncológicos, estará sempre garantido. Entretanto, fica a pergunta, porque foi alterado isto durante um ano. Porque se corta onde não se deve cortar? É aqui que o Estado tem que emagrecer?
Com a vitória de Fançois Hollande na França, gerou-se uma onda de entusiasmo na Europa como há muito não se via. De um momento para o outro passou a falar-se em “agenda para o crescimento”. Hollande, está convencido que a culpa da crise é do liberalismo e dos mercados (as abelhas) tal como Merkel explica a crise pelos excessos de dívida pública aliados à falta de competitividade (o urso) dos países periféricos. Tal como o pai do Tomás e do Tomé, nenhum tem razão. Está na hora da política voltar a exercer a sua verdadeira função. A Europa e Portugal precisam de crescer sustentadamente, é um facto. Venham políticos capazes de mudar a rota. O Tiago e o André, agradecem novos timoneiros, porque as velhas soluções dicotómicas provam não servir. Enquanto os actuais lideres não perceberem isso, continuaremos a dar passos errados em direcção ao abismo social e económico.