O Primeiro-ministro referiu na passada sexta-feira, no debate quinzenal com os deputados na Assembleia da República, que "estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade".
A oposição não perdeu a oportunidade para fustigar Passos Coelho. Não foi feliz, é certo. Falta-lhe sensibilidade para lidar com dramas sociais. Como diria Jerónimo de Sousa, “não sabe o que é a vida”, só conheceu um emprego na Fomentinvest. Mas estas declarações, revelam essencialmente a matriz ideológica donde deriva o pensamento económico e social demasiado liberal do Primeiro-ministro e é aqui que a oposição deve centar a questão.
O Primeiro-ministro quis justificar o desemprego actual como uma consequência das transformações que estão acontecer na economia, incentivando quem perde o emprego a procurar outras alternativas, mesmo que não seja na sua área profissional de raiz.
É verdade que o desemprego pode representar uma oportunidade para iniciar um novo caminho. Fecha-se uma porta, abre-se uma janela. Não acredito que alguém que mergulhe nesse drama, fique estigmatizado à espera que o pilim lhe caia do céu. O problema é que já temos muito licenciado nas caixas de supermercado, nos call-center, a lavar escadas ou carros. A livre escolha não existe no nosso país. É uma escolha condicionada pelas dificuldades e a necessidade aguça o engenho.
A livre escolha, a mobilidade própria da sociedade, são desejáveis. Mas é algo que não se constrói de um dia para o outro. A sociedade e a economia não estão ainda preparadas para responder prontamente aos que hoje por livre iniciativa individual decidam mudar de vida, virar a esquina e arranjar outro emprego ou aos que simplesmente percam o emprego que tinham.
O mercado deve ter condições para funcionar livremente. O Estado deve ter essencialmente um poder regulador, prestando serviços ou assegurando bens apenas em sectores estratégicos para o interesse nacional. O terceiro sector, onde se incluem, Universidades, IPSS, Fundações, deve exercer a sua função se possível sem o capote do Estado.
É isto que está a ser feito em Portugal?
Alguém tem que mudar de vida, sem estigmas.