quarta-feira, 18 de abril de 2012

Bola de neve

Segundo a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), estão a ser entregues 25 imóveis por dia aos Bancos devido ao incumprimento das famílias em pagar os empréstimos que contraíram para construir ou comprar as suas casas.

O mercado de arrendamento nunca foi incentivado no país e as sucessivas leis do arrendamento não resolveram coisa nenhuma. Há uma disparidade impressionante no valor das rendas o que não agrada nem aos proprietários nem aos arrendatários. As rendas antigas, são ridiculamente baixas, facto que leva os proprietários a desinteressarem-se pelos imóveis não fazendo as necessárias obras de manutenção. Falamos de bons imóveis, prédios com 4 e 5 assoalhadas, localizados e enquadrados nas cidades, com todas as condições para serem reabilitados e colocados no mercado a preços coerentes.

Nada disto aconteceu e a bola de neve além de crescer começou a rolar. Nos centros das cidades, grande parte dos prédios estão degradados carecendo de obras de reabilitação. Vivem nesses prédios, famílias, na maioria idosos, em condições também degradantes. Existem outros prédios que estão em bom estado. São construções dos anos 50 e 60, sólidas, apartamentos amplos, localizados não propriamente no centro da cidade, mas em bairros próximos. Habitam neles famílias da classe média e classe média alta, como no Bairro de Campo de Ourique em Lisboa. As rendas são ridiculamente baixas e os proprietários também se debatem com este velho problema, mas vão fazendo as obras que podem. Nalgumas situações é o próprio inquilino a promover essa manutenção, uma vez que as rendas pagas ao proprietário nem chegam para pintar o prédio.

A habitação nova que se contruiu nos centros da cidade ou aquela que foi reabilitada está inacessível a 80% da população que teve que se deslocar para a periferia. Uma família, um casal jovem que queira alugar um apartamento minimamente decente na cidade ou o mais próximo dela possível, vê-se impossibilitado, devido à especulação imobiliária que tem vindo a vigorar, mas que poderá ter os dias contados, assim o Estado queira regular o sector e deixar o mercado funcionar sem condicinamentos e pressões dos lobbys.
Nestas situações estão espelhados dois dos mais problemáticos problemas do mercado imobiliário. Resultado disto, começou a construir-se desenfreadamente nas periferias, criando autênticos dormitórios de betão em redor das cidades. O equilibro ambiental, paisagístico e social das cidades ficou seriamente comprometido. O arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles anda a “pregar no deserto” há anos. As Autarquias permitiram tudo e agradeceram este crescimento sem qualquer sustentabilidade. As receitas provenientes da construção em licenças, alvarás e outras taxas engrossaram os cofres dos municípios, para não falar no consequente imposto municipal sobre imóveis. Os Bancos rejubilaram quando viram os seus clientes a irromper pelos seus balcões a pediram dinheiro ao preço da uva mijona, para adquirirem a casa da sua vida. Sim, porque as famílias empenharam-se durante, 30 e 40 anos para pagarem a casa da sua vida. A esperança de vida de alguns é infelizmente menor do que o término do empréstimo. O lobby imobiliário cresceu, cresceu, cresceu tanto que agora está a rebentar por tudo quanto é canto. E os políticos, nacionais e europeus, não souberam olhar para isto e fazer o que lhes competia, controlar e regular. Resultado, em plena crise, está tudo descontrolado e desregulado. Há mais casas do que pessoas.

Tudo isto era previsível e não admira que se venha a agravar, ainda que esteja prevista para Setembro a entrada em vigor de uma nova lei de arrendamento, que pode produzir algumas mudanças no mesmo.

Socialmente, o português sonha com a casa da sua vida. As pessoas passam uma vida inteira a fazer um esforço titânico para pagar a casa e não se importam de não viajar, cultivar-se ou desfrutar de outros prazeres da vida, só para terem uma casa sua.

Cada vez há mais idosos abandonados nos centros das cidades. Mas também as famílias estão “abandonadas” nesses subúrbios, que não chegam a ser uma comunidade nem a viver a cidade. Socialmente isto é causador de graves desequilíbrios. O homem está mais só. Por isso o refugio cibernético para comunicar. As relações degradam-se porque não se alimentam de emoções e vivências. Um sorriso nas teclas não tem a dimensão de uma gargalhada.

Urbanisticamente, o caos. Como se vão agora manter todas a infra-estruturas construídas? As autarquias terão dinheiro para manter redes de água, saneamento, viárias, entre outras, de todas avenidas e urbanizações novas que se foram entretanto criando?

Paisagisticamente, um horror. Os campos verdejantes deram lugar a torres de cimento carregadas de janelas em aluminio. Aberrante e insustentável, porque respirava-se e comia-se melhor ar na cidade se nestes campos se promovesse o cultivo da terra.

As pessoas estão a entregar os seus imóveis aos bancos, porque não os conseguem pagar. Isto é bárbaro, problemático, humilhante. As pessoas também têm um pouco de culpa por terem entrado no navio do consumismo, mas a verdadeira responsabilidade é daqueles que lhes forneceram sinais errados e não souberam controlar nem regular aquilo que hoje está à vista de todos.